Vol. 75 - Edição Especial: Participação Social - lições do passado para pensar o futuro

2024-08-13

A participação social no Brasil está em um ponto de inflexão, onde o aprendizado do passado pode orientar a construção do futuro nas escolhas do presente. Após décadas de tentativas para institucionalizar práticas participativas na gestão de políticas públicas, o país enfrentou tendências para desinstitucionalização de tais práticas, em particular, pelo desmonte de arranjos institucionais, que foi acompanhado de resistências nos campos burocrático e social. Esse cenário instável exige uma análise crítica e prospectiva para entender como a participação social pode evoluir e se fortalecer no cotidiano.

A história recente do Brasil revela uma dissonância entre a aparência de participação democrática e a real capacidade de influência dessas instâncias participativas sobre as decisões políticas, especialmente em áreas pouco permeáveis à sociedade. Essa desconexão tem gerado indiferença, desencanto e frustração entre participantes, minando a confiança nas instituições democráticas e enfraquecendo o engajamento cívico. A percepção de que a participação social não resulta em mudanças concretas é um obstáculo significativo para a revitalização de processos participativos na gestão pública.

O atual Governo Federal sinaliza esforços para a reconstrução da arquitetura de participação em novo desenho, com a recomposição de conselhos, a ênfase na interação digital, a promoção da educação popular e a implementação de Assessorias de Participação Social e Diversidade em gabinetes ministeriais. Essas iniciativas representam uma oportunidade para revitalizar desenhos institucionais de participação social, integrando práticas inovadoras e tecnologias emergentes para ampliar o alcance e a eficácia das práticas.

As iniciativas de Governo Aberto oferecem um caminho para aumentar a transparência, a accountability e a inclusão social. A disponibilização de dados públicos de forma acessível e a promoção da consulta e deliberação em plataformas digitais podem transformar a relação entre Estado e sociedade, fortalecendo a ação cidadã e a governança democrática. No entanto, é essencial enfrentar desafios como a desigualdade de acesso às tecnologias digitais e a necessidade de capacitação contínua, para garantir que essas iniciativas alcancem seu pleno potencial.

O desafio agora é mostrar a relevância das instituições participativas para além da reafirmação de um projeto político específico, demonstrando sua capacidade de melhorar a qualidade dos serviços públicos e incorporar sugestões da população. Por isso, os mecanismos de participação na gestão precisam ser abertos e inclusivos, permitindo a participação de indivíduos e coletivos não necessariamente especializados, mas diretamente afetados pelas políticas.

O desafio que o presente e o futuro impõem ao governo é criar estratégias viáveis para conversar com quem pensa diferente. Escutar para compreender as necessidades pode desarmar embates exacerbados e ampliar o envolvimento da sociedade na gestão pública. É necessário prestar atenção às maneiras em que a sociedade está se organizando e buscar formas de comunicação Estado-sociedade que compreendam essas novas dinâmicas de sociabilidade – por exemplo, na internet ou nos coletivos, ou nas comunidades religiosas periféricas. Do ponto de vista das dinâmicas estatais, envolver os servidores públicos em processos participativos, sensibilizando-os para a incorporação da participação na sua atuação cotidiana é uma das estratégias a fim de garantir que a participação social seja um valor de Estado e não apenas de governo. A integração consistente de instituições participativas e o envolvimento de indivíduos desassociados e associados em novos formatos de organização social e política são fundamentais para traçar um novo itinerário de participação democrática. O aprendizado do passado deve guiar essas estratégias, permitindo que a participação social se torne uma realidade efetiva na construção de um futuro mais democrático.

A fim de contribuir para essa reflexão, esta edição especial da Revista do Serviço Público (RSP), Participação Social: Lições do Passado para Pensar o Futuro, oferece, para a comunidade científica, de praticantes e para sociedade, análises teórico-empíricas muito ricas, com vistas a repensar práticas anteriores e construir novas estratégias de promoção da participação aderentes aos desafios do contexto atual brasileiro.

https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/issue/view/495